#1 Broligarquia
Todo mundo tem uma newsletter? Então eu também tenho. Bem-vindo ao pós-revista BeCool. Chamei ela assim porque é o que me sobrou depois que eu parei de fazer revista, uma coisa muito mais legal do que fazer newsletter. Mas também uma coisa que as pessoas leem menos do que newsletter.
Eu vou dedicar este primeiro número a um artigo longo sobre o Helio Musk. Ou melhor, sobre o que o Helio Musk representa. Mas antes…
Coisas que chamaram a minha atenção
(Sim, eu aprendi fazendo revista que as seções têm que vir antes ou depois das matérias. Seções de notinhas sempre antes)
Chappell Roan: só parei pra ouvir porque meu despertador me acordou com “Hot To Go”. Como uma pessoa que gosta de pop indie com vocal feminino, é óbvio que foi uma surpresa positiva pra mim. Nunca vejo necessidade de estar por dentro da cultura pop, mas às vezes a cultura pop vence.
Mega Fest, com Iran Tentação: quais canais UHF dos anos 90 e 2000 conseguem parar de pé na era do streaming (que nada mais é do que a TV a cabo marretada na Internet com um discurso tech)? Certamente poucos, mas a NGT está entre eles. Aos trancos e barrancos, a emissora educativa continua viva num universo em franco definhamento (pelo menos desde que a MTV acabou). O Mega Fest é um programa popular com P maiúsculo e, a despeito do baixíssimo orçamento, é divertido tanto quanto um programa do SBT. Ajuda muito o carisma do apresentador, Iran Tentação, mas o mais divertido é a aleatoriedade do entorno do programa, de dançarinas sensuais a dois caras fantasiados de Chacrinha, todos disputando o palco com um artista semidesconhecido. Domingos às 13h com reprises aos sábados no mesmo horário. NGT é bom demais.
Agora sim, artigo.
A broligarquia de Elon Musk
A ideia de que a sociedade é dominada por elites endinheiradas, plutocráticas e antidemocráticas quica por aí desde que a gente descobriu que as mesmas sociedades têm formas de hierarquias sociais em que o topo é ocupado por poucos. Os iluministas acusavam a nobreza, ao passo que anos mais tarde os socialistas acusariam a burguesia. O altermundismo voltou-se contra a elite financeira global, a direita conspiratória, contra o George Soros. Desde que a gente descobriu a hierarquia social ela nos revolta como espécie, mas a gente não consegue se livrar dela (em parte porque a gente nunca concorda em como fazê-lo), então o topo da pirâmide vai se transformando sem que a população em geral perceba muitas diferenças no seu dia-a-dia.
Contudo, a reeleição de Donald Trump e as subsequentes nomeações que o presidente-eleito fez para compor seu ministério chamam a atenção para uma dessas mudanças no topo da pirâmide que está ocorrendo com velocidade alucinante: a substituição da plutocracia financeira pela broligarquia tech.
Broligarquia é um termo que já estava circulando por aí na Internet, mas uma das melhores definições foi de Brooke Harrington na The Atlantic: bilionários do Vale do Silício, brancos, homens, cheios de ideias antidemocráticas e certos de que o único jeito certo da sociedade funcionar é o jeito deles, de preferência com eles mesmos no poder. O uso de bro (diminutivo de brother) como termo pejorativo está ligado a uma cultura muito masculina nos esportes e nas fraternidades das universidades americanas. A broligarquia é o que acontece quando esses caras se formam, vão trabalhar no Vale do Silício, criam uma startup unicórnio e passam a fazer parte da plutocracia - do topo da pirâmide da sociedade.
Isso cria um tipo muito diferente de hierarquia social, em que se cruzam fortuna, gênero, raça e uma espécie esquisita de eugenia do código, uma ideia torta de que as pessoas que sabem fazer código são mais inteligentes que as outras (não são) e, por isso, devem governar a sociedade, substituir a ordem vigente de instituições liberais, mídia tradicional e cultura por uma ordem universitária-masculina-decentralizada-tecnocrática na qual eles mesmos sejam os gestores da sociedade como um todo. Não por acaso, vários destes bilionários adoram coisas como criptomoeda, metaverso, inteligência artificial generativa e carro autodirigível. São peças fundamentais (embora pouco ou nada funcionais) do modelo de sociedade em que eles acreditam e que, à moda do Vale do Silício, tentam implementar à força.
Em 2023, a Fox transmitiu o Super Bowl nos EUA com exclusividade, o que fez com que seu dono, Rupert Murdoch, ganhasse um camarote pra ver a apresentação da Rihanna no show do intervalo. O convidado de honra de Murdoch? Elon Musk, o nome que personifica tudo o que foi dito nos últimos dois parágrafos. A ocasião fez com que muita gente no site de rede social que Musk controla dissesse que são duas pessoas parecidas e que se merecem. Mas não são, apesar de terem gravitado o mesmo partido (Republicano) e o mesmo candidato presidencial (Trump) e de defenderem a mesma ordem econômica (capitalismo ultraliberal cheio de desigualdades).
Murdoch é um magnata com M maiúsculo, passou a vida toda gravitando o poder e administrando a pequena fortuna que herdou do pai (outra coincidência com a biografia de Musk), mas nunca pretendeu ser um bro e, ao menos publicamente, tem escrúpulos. E semancol. Dia desses foi flagrado lendo “Utopia Para Realistas”, de Ruther Bregman, moço que deu um belo pito num ex-funcionário de Murdoch chamado Tucker Carlson.
Murdoch também tinha semancol o suficiente para saber que ele não seria adorado por uma horda de cupinchas - e não fazia nenhuma questão disso. Era fascinado por uma das melhores criaturas da Fox, a série animada Os Simpsons, que tirava sarro dele e do impacto negativo que ele deixou para a sociedade. Em uma ocasião - outro Super Bowl -, Murdoch dublou seu próprio personagem na animação de Matt Groening. Na cena, ele tira do bolso um cartão de visitas que diz “Rupert Murdoch, tirano bilionário”. Não, eu também não imagino Elon Musk se permitindo a mesma coisa.
Musk não tem semancol e nem decoro público. Se comporta publicamente como se estivesse em uma fraternidade. Seu maior sonho é ser visto como engraçado por outros bros na Internet, a ponto de mandar sua rede social impulsionar seus tweets. É autocentrado e seu narcisismo encontrou um terreno fértil num cérebro que fez pouco para se livrar das ideias imaturas dos tempos de jovem. E é um engenheiro de merda, com perdão da palavra.
São pessoas como Musk - e Mark Zuckerberg, Sam Altman, Peter Thiel - que estão no topo da pirâmide da era da informação. Gente imatura, mesquinha e burra moldando a sociedade à sua imagem. Só classificá-los como bilionários, como se fossem iguais a um Rockefeller - ou Murdoch - é uma imprecisão. Eles são, antes de tudo, uma paródia de bilionários feita pelo Pânico na TV.
A boa notícia é que, sabendo como eles pensam e agem, fica mais fácil construir a ideologia que questionará o poder deles. Eu proponho o nome de semancolismo.
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